Preencha os campos abaixo para submeter seu pedido de música:
O fundador e primeiro diretor do Instituto Butantan, o médico sanitarista Vital Brazil (1865-1950), recorreu às cobras trazidas pela população até ele para fazer os estudos que culminaram na descoberta da especificidade dos soros, inicialmente com o antibotrópico e anticrotálico no início do século XX. Com o passar dos séculos, além das espécies doadas pela população, o instituto também começou a receber serpentes obtidas em apreensões, além de anfíbios, artrópodes e quelônios, utilizados em estudos científicos e ações educativas.
Desde o início de sua criação, o Butantan tem um setor específico de recepção de animais, atualmente localizado no Laboratório Especial de Coleções Zoológicas. Os animais entregues ao instituto são registrados e posteriormente envolvidos em estudos sobre toxinologia, bioquímica, taxonomia, exposições educativas entre outros, e na produção de soros antivenenos.
De 2015 a 2023, o Instituto Butantan recebeu mais de 1.200 animais apreendidos em operações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e das Polícias Ambiental, Rodoviária Federal e Civil. A maioria eram aranhas (515) e serpentes (447, com 23 peçonhentas), mas também escorpiões, lagartos e quelônios, todos apreendidos em ações de combate ao tráfico internacional e nacional de animais silvestres. Os animais traficados, recebidos pelo Butantan, são catalogados um a um.
“Recebemos estes animais de forma colaborativa, porque as autoridades confiam no trabalho técnico e de educação ambiental do Butantan, e todo o processo de entrada e de saída é documentado e enviado ao Ibama. Mesmo os que morreram são registrados com um laudo veterinário, que esclarece a causa da morte”, afirma o diretor do Centro de Desenvolvimento Cultural, Giuseppe Puorto.
Se não houver como comportar alguns animais, muitas vezes o Butantan solicita um novo lar para eles em parceria com zoológicos. “Mantemos animais no Butantan por motivos educativos, sobretudo sobre a importância de evitar o tráfico, e para fins científicos. Essa é a essência do nosso trabalho”, explica o diretor.
Um exemplo é a ação educativa “Mão na Cobra e outros bichos”, na qual os visitantes do Parque da Ciência Butantan podem se aproximar de serpentes não peçonhentas. A atividade gratuita tem o objetivo de sensibilizar as pessoas sobre cobras, lagartos e répteis em geral, além de proporcionar o conhecimento científico. A ação é validada pelo Conselho de Ética do Butantan e está de acordo com as diretrizes de bem-estar animal orientadas pelo Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea).
“O Mão na Cobra é uma maneira de fazer as pessoas terem outra visão sobre as serpentes. Quando entendem o papel delas no ecossistema, passam a admirá-las com respeito e a não querer matá-las, evitando mortes desnecessárias e o futuro triste que é a extinção de algumas espécies. Claro que sempre indicamos que, se encontrar uma serpente, não tente saber se é peçonhenta ou não, e chame o Corpo de Bombeiros, a Polícia Ambiental ou a Defesa Civil”, afirma a herpetologista Kathleen Grego.
Por meio de uma parceria com o Ibama, o Butantan recebe cobras apreendidas por ser a instituição com maior experiência no trato desses animais no Brasil, embora outros locais também sejam aptos a receber animais apreendidos.
Além disso, espécies peçonhentas necessitam de um cuidado especial. Por isso, qualquer cobra que chega ao instituto é direcionada à recepção de animais, onde ocorre a triagem: as peçonhentas vão para o Laboratório de Herpetologia, onde são utilizadas na extração de veneno para a produção de soros antiveneno, ou para a Coleção Herpetológica, onde auxiliarão nas pesquisas científicas realizadas na instituição; já as não peçonhentas podem ir para um biotério ou para o Museu Biológico. Antes, todas elas ficam em quarentena para avaliação de saúde. Somente após esse processo é que recebem o encaminhamento correto.
“A maioria das espécies que vêm do tráfico são as não peçonhentas, a exemplo das jiboias, porque são bonitas e sem veneno, e muita gente gosta de tê-las em casa. Nós, do Laboratório de Herpetologia, que fazemos a extração do veneno, ficamos apenas com as espécies peçonhentas”, explica a herpetologista.
Essa seleção ocorre desde que haja espaço para mantê-las adequadamente no instituto. “As espécies exóticas podem migrar para algum biotério a fim de ajudar em estudos científicos. Outras podem ser encaminhadas para o acervo do Museu Biológico, focado na importância da conservação e preservação de espécies silvestres”, afirma Giuseppe.
Se não for possível saber de onde os animais traficados vieram, não há como devolvê-los à natureza. “Não basta saber se o bicho traficado ocorre na África, porque você não sabe de onde esse exemplar veio. Se vem da África via Estados Unidos, ou de outro país, para o Brasil, vão mandar para onde se não há certeza absoluta da origem?”, questiona Giuseppe.
A mesma lógica ocorre quando se trata de animais brasileiros encontrados fora de seu habitat natural ou área de ocorrência. “A partir do momento que o bicho for preso, ele pode se contaminar com algo; quando ele é solto, pode devolver o que contraiu para o meio. A devolução só pode acontecer se houver um trabalho criterioso de avaliação daquele animal, para saber onde poderíamos alocá-lo”, explica.
O tráfico de animais silvestres é um crime previsto na Lei de Crimes Ambientais (9.605/98), por isso, as apreensões são feitas geralmente pela polícia. “Quando se descobre de onde veio e quem traficou e comprou, se torna um caso de polícia, porque é uma atividade criminosa e isso foge da alçada do Butantan. Por isso, mantemos tudo documentado, caso seja solicitado pelas autoridades para ajudar na investigação. Animais obtidos legalmente, em criadouros comerciais e com documentação não são objetos de apreensão”, lembra o diretor.